Parte 1 - A profissão da fé
"Eu creio" - "Nós cremos"
Quando professamos nossa fé, começamos dizendo: "Eu creio" ou "Nós cremos". Por isso, antes de expor a fé da Igreja tal como é confessada no Credo, celebrada na Liturgia, vivida na prática dos Mandamentos e na oração, perguntamo-nos o que significa "crer". A fé é a resposta do homem a Deus que se revela e a ele se doa, trazendo ao mesmo tempo uma luz superabundante ao homem em busca do sentidoúltimo de sua vida. Por isso vamos considerar primeiro esta busca do homem (capitulo 1), em seguida a Revelação divina, pela qual Deus se apresenta ao homem (capítulo II), e finalmente a resposta da fé (capítulo III).
CAPÍTULO I
O homem é "capaz" de Deus
I - O desejo de Deus
O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para
Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar:
O aspecto mais sublime da dignidade humana está nesta vocação do homem à comunhão com Deus.
Este convite que Deus dirige ao homem, de dialogar com ele, começa com a existência humana. Pois se o homem existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe o ser, e o homem só vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer livremente este amor e se entregar ao seu Criador.
Em sua história, e até os dias de hoje, os homens têm expressado de múltiplas maneiras sua
busca de Deus por meio de suas crenças e de seus comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações etc.). Apesar das ambiguidades que podem comportar, estas formas de expressão são tão universais que o homem pode ser chamado de um ser religioso:
De um só (homem), Deus fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, fixando
os tempos anteriormente determinados e os limites de seu hábitat. Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, embora Ele não esteja longe de cada um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos (At 17,23-28).
Mas esta "união íntima e vital com Deus" pode ser esquecida, ignorada e até rejeitada
explicitamente pelo homem. Tais atitudes podem ter origens muito diversas: a revolta contra o mal no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações com as coisas do mundo e com as riquezas, o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião, e finalmente essa atitude do homem pecador que, por medo, se esconde diante de Deus e foge diante de seu chamado.
"Alegre-se o coração dos que buscam o Senhor!" (Sl 105,3). Se o homem pode esquecer ou
rejeitar a Deus, este, de sua parte, não cessa de chamar todo homem a procurá-lo, para que viva e encontre a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforço de sua inteligência, a retidão de sua vontade, "um coração reto", e também o testemunho dos outros, que o ensinam a procurar a Deus.
Vós sois grande, Senhor, e altamente digno de louvor: grande é o vosso poder, e a vossa sabedoria não tem medida. E o homem, pequena parcela de vossa criação, pretende louvar-vos, precisamente o homem que, revestido de sua condição mortal, traz em si o testemunho de seu pecado e de que resistis aos soberbos.
A despeito de tudo, o homem, pequena parcela de vossa criação, quer louvar-vos. Vós mesmo o incitais a isto, fazendo com que ele encontre suas delícias no vosso louvor, porque nos fizestes para vós e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em vós.
II. As Vias de acesso ao conhecimento de Deus
Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, o homem que procura a Deus
descobre certas "vias" para aceder ao conhecimento de Deus. Chamamo-las também de "provas da existência de Deus", não no sentido das provas que as ciências naturais buscam, mas no sentido de "argumentos convergentes e convincentes" que permitem chegar a verdadeiras certezas.
Estas "vias" para chegar a Deus têm como ponto de partida a criação: o mundo material e a pessoa humana.
O mundo: a partir do movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo,
pode-se conhecer a Deus como origem e fim do universo.
São Paulo afirma a respeito dos pagãos: "O que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles, pois Deus lho revelou. Sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligível desde a criação do mundo através das criaturas" (Rm 1,19-20).
E Santo Agostinho: "Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do
ar que se dilata e se difunde, interroga a beleza do céu... interroga todas estas realidades. Todas elas te respondem: olha-nos, somos belas. Sua beleza é um hino de louvor (confessio). Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo (Pulcher, pronuncie "púlquer"), não sujeito à mudança?"
O homem: Com sua abertura à verdade e à beleza, com seu senso do bem moral, com sua
liberdade e a voz de sua consciência, com sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem se interroga sobre a existência de Deus. Mediante tudo isso percebe sinais de sua alma espiritual. Como "semente de eternidade que leva dentro de si, irredutível à só matéria" sua alma não pode ter origem senão em Deus.
O [fca15] mundo e o homem atestam que não têm em si mesmo nem seu princípio primeiro nem
seu fim último, mas que participam do Ser em si, que é sem origem e sem fim. Assim por estas diversas "vias", o homem pode aceder ao conhecimento da existência de uma realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo, "e que todos chamam Deus"
As faculdades do homem o tomam capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas,
para que o homem possa entrar em sua intimidade, Deus quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graça de poder acolher esta revelação na fé. Contudo, as provas da existência de Deus podem dispor à fé e ajudar a ver que a fé não se opõe à razão humana.
III. O Conhecimento de Deus Segundo a Igreja
"A santa Igreja, nossa mãe, sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana a partir das coisas criadas". Sem esta capacidade, o homem não poderia acolher a revelação de Deus. O homem tem esta capacidade por ser criado "à imagem de Deus[fca20] ".
Todavia, nas condições históricas em que se encontra, o homem enfrenta muitas dificuldades para conhecer a Deus apenas com a luz de sua razão:
"Pois, embora a razão humana, absolutamente falando, possa chegar com suas forças e lume naturais ao conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que governa e protege o mundo com sua Providência, bem como chegar ao conhecimento da lei natural impressa pelo Criador em nossas almas, de fato, muitos são os obstáculos que impedem a mesma razão de usar eficazmente e com resultado desta sua capacidade natural.
As verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus são verdades que
transcendem completamente a ordem das coisas sensíveis e quando estas verdades atingem a vida prática e a regem, requerem sacrifício e abnegação. A inteligência humana, na aquisição destas verdades, encontra dificuldades tanto por parte dos sentidos e da imaginação como por parte das más inclinações, provenientes do pecado original. Donde vemos que os homens em tais questões, facilmente procuram persuadir-se de que seja falso ou ao menos duvidoso aquilo que não desejam que seja verdadeiro"
Por isso, O homem tem necessidade de ser iluminado pela revelação de Deus, não somente sobre o que ultrapassa seu entendimento, mas também sobre "as verdades religiosas e morais que, de per si, não são inacessíveis à razão, a fim de que estas no estado atual do gênero humano possam ser conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro".
IV. Como falar de Deus?
Ao defender a capacidade da razão humana de conhecer a Deus, a Igreja exprime sua confiança
na possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convicção esta na base de
seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e com as ciências, como também com Os não-crentes e os
ateus.
Uma vez que nosso conhecimento de Deus é limitado, também limitada é nossa linguagem sobre
Deus. Só podemos falar de Deus a partir das criaturas e segundo nosso modo humano limitado de conhecer e
de pensar.
As criaturas, todas elas, trazem em si certa semelhança com Deus, muito particularmente o homem criado à imagem e a semelhança de Deus. Por isso as múltiplas perfeições das criaturas (sua verdade, bondade e beleza) refletem a perfeição infinita de Deus. Em razão disso podemos falar de Deus a partir das perfeições de suas criaturas, "pois a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por analogia, contemplar seu Autor" (Sb 13,5).
Deus transcende a toda criatura. Por isso, é preciso incessantemente purificar nossa linguagem
daquilo que possui de limitado, de proveniente de pura imaginação, de imperfeito, para não confundirmos o Deus "inefável, incompreensível, invisível, inatingível" com as nossas representações humanas. Nossas palavras humanas permanecem sempre aquém do Mistério de Deus.
Assim falando de Deus, nossa linguagem se exprime, sem dúvida, de maneira humana, mas ela
atinge realmente O próprio Deus, ainda que sem poder exprimi-lo em sua infinita simplicidade. Com efeito, é preciso lembrar que "entre o Criador e a criatura não se pode notar uma semelhança, sem que se deva notar entre eles uma ainda maior dessemelhança", e que "não podemos apreender de Deus o que ele é, mas apenas O que ele não é e de que maneira os outros seres se situam em relação a ele.
Resumindo
O homem é, por natureza e por vocação, um ser religioso. Porque provém de Deus e para Ele
caminha, o homem só vive uma vida plenamente humana se viver livremente sua relação com Deus.
O homem é feito para viver em comunhão com Deus, no qual encontra sua felicidade: "Quando
eu estiver inteiramente em Vós, nunca mais haverá dor e provação; repleta de Vós por inteiro, minha vida será verdadeira."
Quando escuta a mensagem das criaturas e a voz de sua consciência, o homem pode atingir a
certeza da existência de Deus, causa e fim de tudo.
A Igreja ensina que o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor, pode ser conhecido com
certeza por meio de suas obras graças à luz natural da razão humana.
Podemos realmente falar de Deus partindo das múltiplas perfeições das criaturas, semelhanças
do Deus infinitamente perfeito, ainda que nossa linguagem limitada não esgote seu mistério.
"Sem o Criador, a criatura se esvai". Eis por que os crentes sabem que são impelidos pelo amor
de Cristo a levar a luz do Deus vivo àqueles que o desconhecem ou o recusam.