Parte 1 - A profissão da fé
"Eu creio" - "Nós cremos"
CAPÍTULO II
DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM
Mediante a razão natural, o homem pode conhecer a Deus com certeza a partir de suas obras.
Existe, porém, outra ordem de conhecimento que o homem de modo algum pode atingir por suas próprias forças: a da revelação divina. Por uma decisão totalmente livre, Deus se revela e se doa ao homem. Faz isto revelando seu mistério, seu projeto benevolente, que, desde toda a eternidade, concebeu em Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente seu projeto, enviando seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo.
ARTIGO 1 - A REVELAÇÃO DE DEUS
I. Deus revela seu "projeto benevolente"
"Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a sim mesmo e tornar conhecido o mistério de sua vontade, pelo qual os homens, por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina."
Deus, que "habita numa luz inacessível" (1 Tm 6,16), quer comunicar sua própria vida divina aos homens, criados livremente por ele, para fazer deles, em seu Filho único, filhos adotivos. Ao revelar-se, Deus quer tornar os homens capazes de responder-lhe, de conhecê-lo e de amá-lo bem mais do que seriam capazes por si mesmos.
O projeto divino da Revelação realiza-se ao mesmo tempo "por ações e por palavras, intimamente ligadas entre si e que se iluminam mutuamente". Este projeto comporta uma "pedagogia divina" peculiar: Deus comunica-se gradualmente com o homem, o prepara, por etapas, para acolher a revelação sobrenatural que faz de si mesmo e que culmina na Pessoa e na missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo.
Santo Irineu de Lyon fala, repetidas vezes, desta pedagogia divina sobre a imagem da familiaridade mútua entre Deus e o homem: "O Verbo de Deus [...] habitou no homem e se fez Filho do homem para acostumar o homem a apreender a Deus e acostumar Deus a habitar no homem, segundo o consentimento do Pai."
II. As etapas da revelação
Desde a origem, Deus se dá a conhecer
"Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1,3), oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo na criação (cf. Rm 1, 1-20) e, além disso, decidindo abrir o caminho da salvação sobrenatural, manifestou-se a Si mesmo, desde o princípio, aos nossos primeiros pais. Depois da sua queda, com a promessa de redenção, deu-lhes a esperança da salvação (cf. Gn 3,15), e cuidou continuamente do gênero humano, para dar a vida eterna a todos aqueles que, perseverando na prática das boas obras, procuram a salvação (cf. Rm 2, 6-7). No devido tempo chamou Abraão, para fazer dele pai de um grande povo (cf. Gn 12,2), povo que, depois dos patriarcas, ele instruiu, por meio de Moisés e dos profetas, para que o reconhecessem como único Deus vivo e verdadeiro, pai providente e juiz justo, e para que esperassem o Salvador prometido; assim preparou Deus através dos tempos o caminho ao Evangelho". Convidou-os a uma comunhão íntima consigo mesmo, revestindo-os de uma graça e de uma justiça resplandecentes.
Esta revelação não foi interrompida pelo pecado de nosso pais. Deus, com efeito, "após a queda deles [...], com a promessa da redenção, os consolou com a esperança da salvação e velou permanentemente pelo gênero humano, a fim de dar a vida eterna a todos aqueles que, pela perseverança na prática do bem, procuram a salvação".
"Quando pela desobediência perderam vossa amizade, não os abandonastes ao poder da morte. [...] Oferecestes, muitas vezes, aliança aos homens e às mulheres."
A Aliança com Noé
Desfeita a unidade do gênero humano pelo pecado, Deus procura, antes de tudo, salvar a humanidade, intervindo em cada uma de suas partes. A Aliança com Noé, depois do dilúvio, exprime o princípio da economia divina para com as "nações", isto é, para com os homens agrupados "segundo seu país, língua, família e nação" (Gn 10,5).
Esta ordem cósmica, social e religiosa da pluralidade das nações destina-se a limitar o orgulho de uma humanidade decaída que, unânime em sua perversidade, gostaria de construir, por si mesma, sua unidade à maneira de Babel. Contudo, devido ao pecado, o politeísmo, assim como a idolatria da nação e de seu chefe, constitui uma contínua ameaça de perversão pagã para essa economia provisória.
A Aliança com Noé permanece em vigor durante todo o tempo das nações, até a proclamação universal do Evangelho. A Bíblia venera algumas grandes figuras das "nações", tais como "Abel, o justo", o rei-sacerdote Melquisedeque, figura de Cristo, ou os justos "Noé, Daniel e Jó." Assim, a Escritura exprime que grau elevado de santidade podem atingir os que vivem segundo a Aliança de Noé, na expectativa de que Cristo congregue na unidade "todos os filhos de Deus dispersos" (Jo 11, 52).
Deus elege Abraão
Para congregar a humanidade dispersa, Deus elegeu Abrão, o chamado - "Sai de tua terra, do meio de teus parentes, da casa de teu pai" (Gn 12,1) - para fazer dele "Abraão", isto é, "o pai de uma multidão de nações" (Gn 17,5): "Em ti serão abençoadas todas as famílias da terra" (Gn 12,3).
O povo originado de Abraão será o depositário da promessa feita aos patriarcas, o povo escolhido, chamado a preparar, um dia, a unidade da Igreja de todos os filhos de Deus. Este povo será dia, a unidade da Igreja de todos os filhos de Deus. Este povo será a raiz sobre a qual serão enxertados os pagãos tornados crentes.
Os patriarcas e os profetas, bem com outras personalidades do Antigo Testamento, foram e serão sempre venerados como santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja.
Deus forma seu povo Israel
Depois dos patriarcas, Deus formou Israel como seu povo, o salvando da escravidão do Egito. Fez com ele a Aliança do Sinai e deu-lhe, por intermédio de Moisés, sua Lei, para que o reconhecesse e o servisse como o único Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e juiz justo, e para que esperasse o Salvador prometido.
Israel é o Povo sacerdotal de Deus, aquele sobre o qual "é invocado o Nome do Senhor" (Dt 28, 10). É o povo daqueles "aos quais Deus falou em primeiro lugar", o povo dos irmãos mais velhos" da fé de Abraão.
Por meio dos profetas, Deus forma seu povo na esperança da salvação, na expectativa de uma Aliança nova e eterna, destinada a todos os homens, e que será impressa nos corações. Os profetas anunciam uma redenção radical do Povo de Deus, a purificação de todas as suas infidelidades, uma salvação que incluirá todas as nações. Serão sobretudo os pobres e os humildes do Senhor os portadores desta esperança. As mulheres santas como Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e Ester mantiveram viva a esperança da salvação de Israel. Entre todas elas, a figura mais luminosa é Maria.
III. Cristo Jesus "mediador e plenitude de toda a revelação"
Deus tudo disse no seu verbo
"Muitas vezes e de muitos modos, Deus falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho" (Hb 1, 1-2). Cristo, o Filho de Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e não há outra palavra senão esta. São João da Cruz, a exemplo de tantos outros, expressa isto de maneira brilhante, ao comentar Hb 1, 1-2:
"Porque em dar-nos, como nos deu, seu Filho, que é sua Palavra única (e outra não há), tudo nos falou de uma só vez nessa única Palavra, e nada mais tem a falar. [...] De fato, aquilo que outrora falou parcialmente aos profetas, agora nos disse inteiramente em seu Filho, nos dando o todo que é seu próprio Filho. Portanto, se alguém ainda quisesse interrogar o Senhor e pedir-lhe visões ou revelações, não só cometeria uma insensatez como ofenderia a Deus, por não fixar seu olhar unicamente em Cristo e buscar fora dele coisas diferente ou novidades."
Não haverá outra revelação
"A economia cristã, portanto, como Aliança nova e definitiva, jamais passará, e já não há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo." Todavia, embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por exemplo. Cabe à fé cristã captar gradualmente ao longo dos séculos, todo o seu alcance.
No decurso dos séculos, houve revelações denominadas "privadas", algumas delas reconhecidas pela autoridade da Igreja. Elas não pertencem, contudo, ao depósito da fé. A função delas não é "melhorar" nem "completar" a Revelação da qual Cristo é a perfeição. Este é o caso de certas religiões não cristãs e também de certas seitas recentes que se fundamentam em tais "revelações".
Resumindo
Por amor, Deus revelou-se e doou-se ao homem. Assim lhe oferece uma riquíssima e definitiva resposta às questões que o homem se faz acerca do sentido e do objetivo de sua vida.
Deus revelou-se ao homem, comunicando-lhe gradualmente seu próprio Mistério por meio de ações e de palavras.
Para além do testemunho que Deus dá de si mesmo nas coisas criadas, ele manifestou-se pessoalmente aos nossos primeiros pais. Falou-lhes e, depois da queda, prometeu-lhes a salvação e ofereceu-lhes sua aliança.
Deus fez com Noé uma aliança eterna entre Ele e todos os seres vivos. Esta há de durar enquanto durar o mundo.
Deus escolheu Abraão e fez uma aliança com ele e sua descendência. Daí formou seu povo, ao qual revelou sua lei por intermédio de Moisés. Pelos profetas preparou este povo a acolher a salvação destinada à humanidade inteira.
Deus revelou-se plenamente enviando seu próprio Filho, no qual estabeleceu sua Aliança para sempre. O Filho é a Palavra definitiva do Pai, de modo que, depois dele, não haverá outra revelação.
ARTIGO 2 - A TRANSMISSÃO DA REVELAÇÃO DE DEUS
Deus "quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1 Tm 2,4), isto é, de Jesus Cristo. É preciso, pois, que Cristo seja anunciado a todos os povos e a todos os homens e que, desta forma, a Revelação chegue até aos confins do mundo:
"Deus dispôs amorosamente que permanecesse íntegro e fosse transmitido a todas as gerações tudo quanto tinha revelado para salvação de todos os povos".
I. A tradição apostólica
"Cristo Senhor, no qual se cumpre toda a Revelação do sumo Deus, ordenou aos Apóstolos, que anunciassem a todos o Evangelho, o qual, antes prometido pelos profetas, ele próprio cumpriu e promulgou por sua palavra, como fonte de toda verdade salvífica e toda regra moral".
A PREGAÇÃO APOSTÓLICA...
A transmissão do Evangelho, segundo a ordem do Senhor, fez-se de duas maneiras:
oralmente - "pelos Apóstolos que, na pregação oral, por exemplos e ações, transmitiram aquelas coisas que ou receberam das palavras, da convivência e das obras de Cristo ou aprenderam das sugestões do Espírito Santo";
por escrito - "como também por aqueles Apóstolos e varões apostólicos que, sob inspiração do mesmo Espírito Santo, puseram por escrito a mensagem da salvação".
... CONTINUADA NA SUCESSÃO APOSTÓLICA
"Para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram como sucessores os Bispos, a eles 'transmitindo seu próprio encargo de Magistério". Com efeito, "a pregação apostólica, expressa de modo especial nos livros inspirados, deve ser conservada por sucessão contínua até a consumação dos tempos".
Esta transmissão viva, realizada no Espírito Santo, é chamada de Tradição, porquanto distinta da Sagrada Escritura, embora intimamente ligada a ela. Por meio da Tradição, "a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo em que crê". O ensinamento dos Santos Padres testemunha a presença vivificante desta Tradição, cujas riquezas se difundem na prática e na vida da Igreja crente e orante".
Assim, a comunicação que o Pai fez de si mesmo por seu Verbo no Espírito Santo permanece presente diálogo com a esposa de seu dileto Filho, e o Espírito Santo, por meio do qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja e através dela no mundo, leva os crentes à verdade toda e faz habitar neles abundantemente a palavra de Cristo".
II. A relação entre a tradição e a Sagrada Escritura
UMA FONTE COMUM...
"A Tradição e a Sagrada Escritura estão entre si estreitamente unidas e em comunicação, pois, provindo ambas da mesma fonte divina, formam, de certo modo, um só todo e tendem para o mesmo fim". Tanto uma conta como outra tornam presente e fecundo na Igreja o mistério de Cristo, que prometeu permanecer com os seus "todos os dias, até o fim dos tempos" (Mt 28, 20).
... DUAS MODALIDADES DISTINTAS DE TRANSMISSÃO
"A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus, por ser redigida sob a moção do Espírito Santo".
Quanto à Sagrada Tradição, ela "transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a Palavra de Deus, por ser redigida sob a moção do Espírito Santo".
Quanto à Sagrada Tradição, ela "transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a Palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pleo Espírito Santo aos Apóstolos para que, sob a luz do Espírito de verdade, eles, por sua pregação, fielmente a conservem, exponham e difundam".
Daí resulta que a Igreja, à qual estão confiadas a transmissão e a interpretação da Revelação, "não deriva sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado somente da Sagrada Escritura. Por isso, ambas devem ser aceitas e veneradas com igual sentimento de piedade e reverência".
TRADIÇÃO APOSTÓLICA E TRADIÇÕES ECLESIAIS
A Tradição da qual aqui falamos é a que vem dos Apóstolos e transmite o que estes receberam do ensinamento e do exemplo de Jesus e o que receberam por meio do Espírito Santo. Com efeito, a primeira geração de cristãos ainda não dispunha de um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento atesta o processo da Tradição viva.
Dela é preciso distinguir as 'tradições' teológicas, disciplinares, litúrgicas ou devocionais surgidas, ao longo do tempo, nas Igrejas locais. Constituem elas formas particulares sob as quais a grande Tradição recebe expressões adaptadas aos diversos lugares e às diversas épocas. À luz da grande Tradição, elas podem ser mantidas, modificadas ou mesmo abandonadas, sob a guia do Magistério da Igreja.
III. A interpretação do depósito da fé
O DEPÓSITO DA FÉ CONFIADO À TOTALIDADE DA IGREJA
"O patrimônio sagrado" da fé (depositum fidei), contido na Sagrada Tradição e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos Apóstolos à totalidade da Igreja. " Apegando-se firmemente a ele, o povo santo todo, unido a seus Pastores, persevere continuamente na doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na fração pão e nas orações, de modo que, na conservação, no exercício e na profissão da fé transmitida, se crie singular unidade de espírito entre os Bispos e os fiéis".
O MAGISTÉRIO DA IGREJA
"O ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo", isto é, foi confiado aos Bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma.
"Todavia, tal Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas a serviço dela, não ensinando senão o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, piedosamente ausculta aquela palavra, santamente a guarda e fielmente a expõe e, deste único depósito de fé, obtém tudo o que nos propõe para ser acreditado como divinamente revelado".
Os fiéis, lembrando-se da palavra de Cristo a seus Apóstolos - "Quem vos escuta, a mim escuta" (Lc 10, 16), recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que seus Pastores lhes dão sob diferentes formas.
OS DOGMAS DA FÉ
O Magistério da Igreja empenha plenamente a autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando, utilizando uma forma que obriga o povo cristão à adesão irrevogável de fé, propõe verdades contidas na revelação divina ou verdades que com estas têm necessária conexão.
Há uma conexão orgânica entre nossa vida espiritual e os dogmas. Os dogmas são luzes no caminho de nossa fé que o iluminam e tornam seguro. Na verdade, se nossa vida for reta, nossa inteligência e nosso coração estarão abertos para acolher a luz dos dogmas da fé.
Os laços mútuos e a coerência dos dogmas podem ser encontrados no conjunto da revelação do Mistério de Cristo. "Existe uma ordem ou 'hierarquia' das verdades da doutrina católica, já que seu nexo com o fundamento da fé cristã é diferente".
SENSO SOBRENATURAL DA FÉ
Todos os fiéis participam da compreensão e da transmissão da verdade revelada. Receberam a unção do Espiríto Santo, que os instrui e os conduz à verdade em sua totalidade.
"O conjunto dos fiéis [...] não pode enganar-se no ato de fé. Ele manifesta esta sua peculiar propriedade mediante o senso sobrenatural da fé de todo o povo, quando, "desde os Bispos até o último dos fiéis leigos", apresenta consenso universal sobre questões de fé e de costumes".
"Por este senso da fé, suscitado e sustentado pelo Espírito da verdade, o Povo de Deus, sob a direção do sagrado Magistério [...] adere indefectivelmente à fé 'uma vez para sempre transmitida aos santos' e, com reto juízo, a penetra mais profundamente e mais plenamente a aplica em sua vida".
O CRESCIMENTO NA COMPREENSÃO DA FÉ
Graças à assistência do Espírito Santo, a compreensão tanto das realidades como das palavras do depósito da fé pode crescer na vida da Igreja:
"Pela contemplação e pelo estudo dos que creem, os quais as meditam em seu coração", é em especial "a pesquisa teológica que aprofunda o conhecimento da verdade revelada".
"Pela íntima compreensão que os fiéis desfrutam das coisas espirituais"; "Divina eloquia cum legente crescunt - as palavras divinas crescem junto com quem as lê".
"Pela pregação daqueles que, com a sucessão episcopal, receberam o carisma seguro da verdade".
"Fica, portanto, claro que, segundo o sapientíssimo plano divino, a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja estão de tal modo entrelaçados e unidos que um não tem consistência sem os outros, e que, juntos, cada qual a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas".
RESUMINDO
O que Cristo confiou aos Apóstolos, estes o transmitiram por sua pregação e por escrito, sob a inspiração do Espírito Santo, a todas as gerações, até a volta gloriosa de Cristo.
"A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só sagrado depósito da Palavra de Deus", no qual, como em um espelho, a Igreja peregrina contempla a Deus", no qual, como em um espelho, a Igreja peregrina contempla a Deus, fonte de todas as suas riquezas. "Em sua doutrina, vida e culto, a Igreja perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê".
Graças a seu senso sobrenatural da fé, o Povo de Deus inteiro não cessa de acolher o dom da revelação divina, de penetrá-lo mais profundamente e viver dele com mais plenitude.
O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiado exclusivamente ao Magistério da Igreja, ao Papa e aos Bispos em comunhão com ele.
ARTIGO 3 - A SAGRADA ESCRITURA
I. Cristo - Palavra única da Sagrada Escritura
Na condescendência de sua bondade, Deus, para revelar-se aos homens, fala-lhes em palavras humanas. "Com efeito, as palavras de Deus, expressas por línguas humanas, fizeram-se semelhantes à linguagem humana, tal como outrora o Verbo do Pai Eterno, havendo assumido a carne da fraqueza humana, se fez semelhante aos homens".
Por meio de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus pronuncia uma só Palavra, seu Verbo único, no qual se expressa por inteiro:
"Lembrai-vos que é uma mesma a Palavra de Deus que está presente em todas as Escrituras, que é uma mesma a Palavra de Deus que está presente em todas as Escrituras, que é um mesmo Verbo que ressoa na boca de todos os escritores sagrados; ele que, sendo no início Deus junto de Deus, não tem necessidade de sílabas, por não estar submetido ao tempo".
Por este motivo,a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, como venera também o Corpo do Senhor. Ela não cessa de apresentar aos fiéis o Pão da vida tomado da Mesa da Palavra de Deus e do Corpo de Cristo.
Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra incessantemente seu alimento e sua força, pois nela não acolhe somente uma palavra humana, mas o que ela é realmente: a Palavra de Deus. "Com efeito, nos Sagrados, o Pai que está nos céus vem carinhosamente ao encontro de seus filhos e com eles fala".
II. Inspiração e verdade da Sagrada Escritura
Deus é o autor da Sagrada Escritura. As coisas divinamente reveladas, que estão contidas e são apresentadas nos livros da Sagrada Escritura, foram registradas sob a inspiração do Espírito Santo.
"A santa Mãe Igreja, segundo a fé apostólica, tem como sagrados e canônicos os livros completos tanto do Antigo como do Novo Testamento, com todas as suas partes, porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, eles têm Deus como autor e, nesta sua qualidade, foram confiados à própria Igreja".
Deus inspirou os autores humanos dos livros sagrados. "Na redação dos livros sagrados, Deus escolheu homens, dos quais se serviu, fazendo-os usar suas próprias faculdades e capacidades, a fim de que, agindo ele próprio neles e por meio deles, escrevessem, como verdadeiros autores, tudo e só aquilo que ele próprio queria".
Os livros inspirados ensinam a verdade. "Portanto, já que tudo o que os autores inspirados (ou hagiógrafos) afirmam deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, deve-se professar que os livros da Escritura ensinam, com certeza, fielmente e sem erro, a verdade que Deus, em vista de nossa salvação, quis que fosse registrada nas Sagradas Escrituras."
Todavia, a fé cristã não é uma "religião do Livro". O Cristianismo é a religião da "Palavra de Deus", "não de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo". Para que as Escrituras não permaneçam letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna de Deus vivo, pelo Espírito Santo nos "abra o espírito à compreensão das Escrituras".
III. O Espírito Santo, intérprete da Escritura
Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem à maneira dos homens. Para bem interpretar a Escritura é preciso, portanto, estar atento àquilo que os autores humanos quiseram realmente afirmar e àquilo que Deus quis manifestar-nos pelas palavras deles.
Para descobrir a intenção dos autores sagrados, há que levar em conta as condições de sua época e de sua cultura, os "gêneros literários" em uso naquele tempo, os modos, então correntes, de sentir, falar e narrar. "Pois a verdade é apresentada e expressa de maneiras diferentes nos textos que são, de vários modos históricos ou proféticos ou poéticos, ou nos demais, de outros gêneros de expressão".
Por ser a Sagrada Escritura inspirada, há outro princípio da interpretação correta, não menos importante que o anterior, e sem o qual a Escritura permaneceria "letra morta": "A Sagrada Escritura deve também ser lida e interpretada com a ajuda daquele mesmo Espírito em que foi escrita". O Concílio Vaticano II indica três critérios para a interpretação da Escritura conforme o Espírito que a inspirou.
1. Prestar muita atenção "ao conteúdo e à unidade da Escritura inteira", pois, por mais diferentes que sejam os livros que a compõem, a Escritura é una em razão da unidade do projeto de Deus, do qual Cristo Jesus é o centro e o coração, aberto depois de sua Páscoa.
"O coração de Cristo designa a Sagrada Escritura, que dá a conhecer o coração de Cristo. O coração estava fechado antes da Paixão, pois a Escritura era obscura. Porém a Escritura foi aberta após a Paixão, pois os que, a partir daí, têm a compreensão dela consideram e discernem de que maneira as profecias devem ser interpretadas."
2. Ler a Escritura dentro "da Tradição viva da Igreja inteira". Consoante um adágio dos Padres - Sacra Scriptura principalius est in corde Ecclesiae quam in materialibus instrumentis scripta - "a sagrada Escritura está escrita mais no coração da Igreja do que nos instrumentos materiais". Com efeito, a Igreja leva, em sua Tradição, a memória viva da Palavra de Deus, e é o Espírito Santo que lhe dá a interpretação espiritual que o Espírito dá à Igreja").
3. Estar atento à "anagogia da fé". Por "anagogia da fé" entende-se a coesão das verdades da fé entre si e no projeto total da Revelação.
OS SENTIDOS DA ESCRITURA
Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, sendo este último subdividido em sentindo alegórico, moral e analógico. A concordância profunda entre os quatro sentidos garante toda a sua riqueza à leitura viva da Escritura na Igreja.
O sentido literal. É o sentido significado pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegesa que segue as regras da correta interpretação. "Omnes sensus fundantur super litteralem - Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) devem estar fundados no sentido literal".
O sentido espiritual. Graças à unidade do projeto de Deus, não somente o texto da Escritura, mas também as realidades e os acontecimentos de que ele fala podem ser sinais.
1. O sentido alegórico. Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos, reconhecendo a significação deles em Cristo. Assim, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo e também do Batismo.
2. O sentido moral. Os acontecimentos relatados na Escritura devem nos conduzir a um justo agir. Eles foram escritos "como advertência para nós" (1 Cor 10,11).
3. O sentido anagógico. Podemos ver realidades e acontecimentos em sua significação eterna, nos conduzindo (em grego: "anagogé") à nossa Pátria. Assim, a Igreja na terra é sinal da Jerusalém celeste.
Um dístico medieval resume a significação dos quatro sentidos:
"Littera gesta docei, quid credas allegoria, moralis quid agas, quo tendas anagogia". "A letra ensina o que aconteceu; a alegoria, o que deves crer; a moral, o que deves fazer; a a anagogia, para onde deves caminhar".
"É dever dos exegetas esforçarem-se, dentro dessas diretrizes, por entender e expor com maior aprofundamento o sentido da Sagrada Escritura, a fim de que, por seu trabalho de certo modo preparatório, amadureça o julgamento da Igreja, pois todas estas coisas que concernem à maneira de interpretar a Escritura estão sujeitas, em última instância, ao juízo da Igreja, que exerce o divino ministério e mandato do guardar e interpretar a Palavra de Deus".
"Ego vero Evangelio non crederem, nisi me catholicae Ecclesiae commoveret auctoritas. - Eu não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja Católica".
IV. O Cânon das Escrituras
Foi a Tradição apostólica que fez a Igreja discernir quais escritos deveriam ser enumerados na lista dos Livros Sagrados. Esta lista completa é denominada "Cãnon" das Escrituras. Ela comporta 46 (45, se contarmos Jr e Lm juntos) escritos para o Antigo Testamento e 27 para o Novo Testamento.
Para o Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, os dois livros de Samuel, os dois livros dos Reis, os dois livros das Crônicas, Esdras e Neemias, Tobias, Judite, Ester, os dois livros dos Macabeus, Jó, os Salmos, os Provérbios, o Eclesiastes (ou Coélet), o Cântico dos Cânticos , a Sabedoria, o Eclesiástico (ou Sirácida), Isaías, Jeremias, as Lamentações, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. Para o Novo Testamento: os Evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas, e de João; os Atos dos Apóstolos; as Epístolas de São Paulo: aos Romanos, a primeira e a segunda aos Coríntios, aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, a primeira e a segunda aos Tessalonicenses, a primeira e a segunda a Timóteo, a Tito, a Filêmon, a Epístolas de Pedro; as três Epístolas de João; a Epístola de Judas; e o Apocalipse.
O ANTIGO TESTAMENTO
Antigo Testamento é uma parte indispensável da Sagrada Escritura. Seus livros são divinamente inspirados e conservam valor permanente, pois a Antiga Aliança nunca foi revogada. Com efeito, "a Economia do Antigo Testamento estava ordenada principalmente para preparar a vinda de Cristo, Redentor de todos". Embora contenham também coisas imperfeitas e transitórias", os livros do Antigo Testamento dão testemunho de toda a divina pedagogia do amor salvífico de Deus: "Neles encontram-se sublimes ensinamentos acerca de Deus e salutar sabedoria concernente à vida do homem, bem como admiráveis tesouros de preces. Nestes livros, está latente o mistério de nossa salvação".
Os cristãos veneram o Antigo Testamento como verdadeira Palavra de Deus. A Igreja sempre rechaçou vigorosamente a ideia de rejeitar o Antigo Testamento sob o pretexto de que o Novo o teria feito caducar (marcionismo).
O NOVO TESTAMENTO
"A Palavra de Deus, que é força de Deus para a salvação de todo crente, é apresentada e manifesta seu vigor, de modo eminente, nos escritos do Novo Testamento." Estes escritos nos fornecem a verdade definitiva da revelação divina. Seu objeto central é Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, seus atos, ensinamentos, paixão e glorificação, assim como os inícios de sua Igreja sob a ação do Espírito Santo.
Os Evangelhos são o coração de todas as Escrituras, "uma vez que constituem o principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador."
Na formação dos Evangelhos, podemos distinguir três etapas:
1. A vida e o ensinamento de Jesus. A Igreja defende firmemente que os quatro Evangelhos, "cuja historicidade afirma sem hesitação, transmitem fielmente aquilo que Jesus, Filho de Deus, ao viver entre os homens, realmente fez e ensinou para a eterna salvação deles, até o dia em que foi elevado".
2. A tradição oral. "O que o Senhor dissera e fizera, os Apóstolos, após a ascensão do Senhor, transmitiram aos ouvintes, com aquela compreensão mais plena de que desfrutavam, instruídos que foram pelos gloriosos acontecimentos de Cristo e esclarecidos pela luz do Espírito de verdade".
3. Os Evangelhos escritos. "Os autores sagrados escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo certas coisas das muitas transmitidas, ou oralmente ou já por escrito, fazendo síntese de outras ou as explanando com vistas à situação das igrejas, conservando, enfim, a forma de pregação, sempre de maneira a nos transmitir, a respeito de Jesus, coisas verdadeiras e sinceras".
O Evangelho quadriforme ocupa, na Igreja, um lugar único, como atestam a veneração que lhe tributa a liturgia e o atrativo incomparável que, desde sempre, tem exercido sobre os santos.
"Não existe nenhuma doutrina que seja melhor, mais preciosa e mais esplêndida que o texto do Evangelho. Vede e retende o que nosso Senhor e Mestre, Cristo, ensinou com suas palavras e realizou com seus atos". "É acima de tudo o Evangelho que me ocupa durante as minhas orações; nele encontro tudo o que é necessário para minha pobre alma. Descubro nele sempre novas luzes, sentidos escondidos e misteriosos".
A UNIDADE ENTRE O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO
A Igreja, já nos tempos apostólicos, e depois constantemente em sua Tradição, iluminou a unidade do plano divino nos dois Testamentos graças à tipologia. Esta percebe, nas obras de Deus contidas na Antiga Aliança, prefigurações daquilo que Deus realizou na plenitude dos tempos, na pessoa de seu Filho encarnado.
Por isso os cristãos leem o Antigo Testamento. Ela não deve levar ao esquecimento de que este conserva seu valor próprio de revelação, que Nosso Senhor mesmo reafirmou. Igualmente, o Novo Testamento exige ser lido à luz do Antigo. A catequese adágio antigo, o Novo Testamento está escondido no Antigo, ao passo que o Antigo é desvendado no Novo ("Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet").
A tipologia exprime o dinamismo em direção ao cumprimento do plano divino, quando "Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15, 28). Assim a vocação dos patriarcas e o Êxodo do Egito, por exemplo, não perdem seu valor próprio no plano de Deus, pelo fato de serem, ao mesmo tempo, etapas intermediárias deste plano.